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Empreendedorismo com propósito ganha espaço em Camaçari com acelerações voltadas à inclusão

19 de ago. de 2025google
Empreendedorismo com propósito e inclusão em Camaçari

Empreendedorismo com propósito e inclusão em Camaçari

Trajetórias locais mostram como acelerações, redes e consumo por propósito ajudam empreendimentos sociais a enfrentar barreiras estruturais

Em Camaçari, na região metropolitana de Salvador, histórias de pequenas empresas que articulam propósito social e viabilidade econômica mostram caminhos e entraves do empreendedorismo inclusivo. Dois exemplos citados por participantes do Projeto Negócio Raiz — que atua na bioeconomia do Norte e Nordeste — ilustram como formar negócio, identidade e mercado ao mesmo tempo: a Traços Marcantes, de Taís Cardoso, e a Ahimsa Produtos da Natureza, de Erika Maia.

Os números regionais citados no levantamento que deu base à reportagem reforçam a dimensão do tema: segundo dados do Sebrae mencionados pelo artigo, mais da metade dos micro e pequenos empreendedores no Brasil (cerca de 15,2 milhões de pessoas) se declaram pretos ou pardos, com presença ainda maior no Norte e no Nordeste — quase 80% e pouco mais de 72%, respectivamente. Ainda assim, a mesma fonte destaca que empreendedores pretos enfrentam obstáculos persistentes no acesso ao crédito, à formação técnica e à visibilidade.

O Projeto Negócio Raiz, desenvolvido pela Aliança Empreendedora com apoio da Youth Business International (YBI) e financiamento da Standard Chartered Foundation pelo programa Futuremakers, surge como resposta a parte dessas limitações. Segundo a coordenadora do projeto, Andressa Trivelli, a iniciativa já beneficiou mais de 1.800 microempreendedores em dois ciclos e oferece suporte técnico, emocional e estratégico para fortalecer negócios de base comunitária. "Nosso papel, enquanto Projeto, é oferecer suporte técnico, emocional e estratégico para que esses empreendimentos se fortaleçam, ganhem visibilidade e ampliem seu impacto", afirmou Trivelli.

As experiências locais mostram o tipo de ganho que a aceleração pode trazer. Taís Cardoso, fundadora da Traços Marcantes, que atua entre Salvador e Camaçari, conta que a formação pelo projeto permitiu entender o negócio "de forma mais palpável, pontual, dinâmica e acessível", ajudando-a a estruturar narrativa e plano de negócios. Sua marca trabalha com moda e experiências educativas para valorizar e empoderar crianças negras e indígenas; uma das peças da primeira coleção estampava a frase "Não toque em meu cabelo", símbolo do propósito de enfrentar preconceitos desde a infância.

Já Erika Maia, da Ahimsa Produtos da Natureza, com sede em Camaçari, destaca o alinhamento entre valores e prática: sua produção de sabonetes e cosméticos artesanais prioriza saberes ancestrais, cadeia limpa e parcerias justas. Para Erika, as mentorias do Negócio Raiz ajudaram a transformar valores em estratégias concretas de produção, comunicação e parcerias. Ela também ressalta a responsabilidade de empreendedores brancos em apoiar sem ocupar espaços: "vejo como meu papel apoiar essas redes sem ocupar o espaço delas: seja como consumidora, parceira ou aliada na visibilidade e no acesso a oportunidades", disse.

Os relatos convergem em três barreiras explícitas: dificuldade de acessar crédito, lacunas em formação técnica e baixa visibilidade no mercado. Também apontam estratégias que já têm mostrado resultado: acelerações dirigidas ao público negro, fomento a capital semente, redes comunitárias e mentorias práticas que conectem propósito a plano de negócios. Taís sintetiza essa necessidade ao afirmar que as estratégias mais eficazes incluem "estar dentro de comunidades com pessoas negras, participar de acelerações pensadas para pessoas negras, em que há fomento de capital semente, possibilidade de empréstimos e um network mais palpável".

O campo do consumo por propósito aparece como um potencial importante para dinamizar nichos locais. O apoio de consumidores comprometidos — seja comprando, divulgando ou fazendo parcerias — é citado explicitamente por Erika como uma forma de fortalecer a cadeia de negócios que priorizam justiça social e sustentabilidade. Na avaliação das protagonistas e da coordenação do projeto, esse tipo de consumo combinado com políticas públicas e iniciativas privadas de fomento pode ampliar mercados e gerar renda para famílias e comunidades.

Com base nas trajetórias e nas falas coletadas, aparecem recomendações consistentes e alinhadas entre empreendedoras e a coordenação do Negócio Raiz, que podem orientar políticas e ações privadas: ampliar programas de aceleração voltados para mulheres negras e empreendedores periféricos; criar linhas de capital semente e crédito facilitado vinculadas a acelerações; investir em formações técnicas com foco em gestão e comunicação de propósito; e apoiar estratégias de visibilidade que conectem produtos com consumidores sensíveis a impacto social e ambiental. Essas medidas são citadas no material como práticas que já ajudam a superar desigualdades estruturais no ecossistema empreendedor.

Em Camaçari, portanto, a combinação entre propósito, aceleração e redes de apoio começa a construir um mercado local mais inclusivo, ainda que com desafios persistentes. As histórias de Traços Marcantes e Ahimsa mostram que é possível conciliar resistência social e sustentabilidade econômica, especialmente quando há programas que oferecem estrutura prática — do planejamento financeiro à comunicação — e quando consumidores e parceiros assumem um papel ativo em fortalecer essas iniciativas.

Ao destacar as vozes das empreendedoras e os objetivos do Negócio Raiz, a reportagem reforça uma conclusão prática: amplificar iniciativas de fomento e criar rotas concretas de crédito e visibilidade são passos essenciais para que o empreendedorismo com propósito em Camaçari deixe de ser exceção e passe a integrar de forma mais sistemática a economia local.