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Porto Velho–Guajará‑Mirim: memória de uma ferrovia e os obstáculos legais para sua retomada

19 de ago. de 2025google
Ferrovia Porto Velho–Guajará‑Mirim: memória e obstáculos

Porto Velho–Guajará‑Mirim: memória de uma ferrovia e os obstáculos legais para sua retomada

A ferrovia Porto Velho–Guajará‑Mirim foi citada, na última audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR), como símbolo do esforço histórico para abrir vias de transporte na Amazônia e também como referência para o debate sobre a viabilidade de retomar ferrovias na região. Em suas declarações, o senador Jaime Bagattoli (PL‑RO) recordou o trecho construído entre 1907 e 1912, descrevendo-o como "a maior obra de infraestrutura construída no planeta" naquele período e destacando a dimensão do desafio técnico enfrentado: 365 quilômetros atravessando selva e pântano, erguidos "sem motosserra, sem trator de esteira".

Esse relato histórico foi usado por Bagattoli para questionar por que o Brasil hoje tem dificuldades para executar grandes projetos ferroviários na Amazônia. Segundo o senador, a questão central passou a ser a legislação ambiental e o processo de licenciamento — fatores que, em sua avaliação, tornam complexa a construção de modernas ferrovias na região.

Do lado federal, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, apresentou no mesmo evento o projeto Rotas de Integração Sul‑Americana, incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que reúne 190 obras com o objetivo de melhorar o escoamento da produção brasileira, inclusive por rotas que alcancem o Oceano Pacífico via portos da Colômbia, do Peru e do Chile. A iniciativa sugere que, além de trilhos, há no plano federal ênfase em soluções multimodais que articulem ferrovias, rodovias e portos para agilizar o comércio exterior.

Ao mesmo tempo, o senador Jorge Seif (PL‑SC) advertiu sobre um problema prático: o histórico de execução de obras em versões anteriores do PAC. Ele citou que, em levantamentos anteriores, menos de 25% das obras previstas chegaram a ser concluídas, o que, na sua visão, reduz a confiança na capacidade de transformar projetos em infraestrutura efetiva. Esse dado passou a compor o debate sobre riscos de planejamento e implementação de grandes obras, incluindo ferrovias.

Do ponto de vista técnico, o próprio resgate histórico traz uma mensagem dupla. Por um lado, a construção da ferrovia Porto Velho–Guajará‑Mirim no início do século XX demonstra que era possível vencer obstáculos geográficos severos — pântanos, áreas alagadas e densa floresta — com tecnologias e meios humanos extremamente limitados. Por outro, a lembrança desses métodos ressalta que desafios ambientais e de engenharia em zonas alagadas e de solo instável continuam relevantes hoje, embora o debate atual não tenha trazido, na audiência, estimativas de custos ou estudos técnicos detalhados sobre soluções de engenharia modernas aplicáveis ao trecho original.

Outro ponto levantado na audiência foi a alternativa multimodal ao investimento exclusivo em malha férrea. A ministra Simone Tebet defendeu rotas que priorizem a integração com portos do Pacífico para reduzir custos logísticos e aproximar o Brasil de mercados asiáticos. Essa ênfase em soluções combinadas (ferrovia, rodovia e hidrovia/portos) indica que a retomada de ferrovias na Amazônia pode ser pensada dentro de um desenho mais amplo de logística, não como projeto isolado.

Em síntese, o debate recente na CDR trouxe três elementos centrais para avaliar a viabilidade de reerguer ou replicar trechos como o de Porto Velho–Guajará‑Mirim: a memória técnica e humana de uma obra histórica construída em condições extremas; a atual barreira institucional representada pela legislação ambiental e pelo processo de licenciamento, apontada por parlamentares como fator limitador; e a necessidade de encaixar eventuais ferrovias em estratégias multimodais e em planos de execução com maior capacidade de entrega, diante do histórico de baixa execução de obras do PAC mencionado por legisladores. Na audiência, deputados e autoridades reconheceram o esforço do governo em atrair investimentos para infraestrutura, mas não foram apresentadas propostas detalhadas de mitigação para o entrave do licenciamento ambiental nem estimativas de custos para a reconstrução ou modernização do trecho.

O quadro apresentado pelos parlamentares sugere que qualquer projeto para a região terá de conciliar exigências ambientais, soluções de engenharia adequadas a solos encharcados e planilhas de viabilidade que considrem alternativas por portos e rotas já previstas no plano federal. O debate público, segundo os participantes da audiência, precisa avançar para estudos técnicos e ambientais específicos que possam, de forma transparente, aferir custos, impactos e prazos antes de se definir caminhos para a retomada de ferrovias na Amazônia.

Fontes citadas na audiência pública da CDR: declarações da ministra Simone Tebet (Ministério do Planejamento e Orçamento) sobre o projeto Rotas de Integração Sul‑Americana/PAC; declarações dos senadores Jaime Bagattoli (PL‑RO), Jorge Seif (PL‑SC) e Jayme Campos (União‑MT).