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Telefarmácia em debate: reforma exige farmácia física e farmacêutico responsável para mitigar riscos

21 de ago. de 2025google
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Telefarmácia, segurança e regulamentação: tecnologia na dispensação de medicamentos

O debate sobre a chamada telefarmácia ganhou contornos práticos após a reformulação de um projeto de lei que originalmente permitia a venda de medicamentos sem prescrição expostos em gôndolas de supermercados, com orientação por farmacêutico virtual ou presencial. A versão revista mantém a entrada do varejo alimentício no mercado farmacêutico, mas impõe requisitos físicos e de supervisão para tentar conciliar tecnologia, acesso e segurança sanitária.

Segundo a proposta atualizada, de autoria do senador Efraim Filho, os supermercados poderão instalar drogarias completas seguindo as regras da Anvisa, com áreas exclusivas e climatizadas e a presença permanente de um farmacêutico responsável. A mudança foi apresentada como um avanço que permite ampliar o acesso aos medicamentos sem abrir mão de condições de dispensação compatíveis com unidade de saúde, argumento também defendido pelo ministro da Saúde Alexandre Padilha, que aparece em material de apoio divulgado pela Abras afirmando que a farmácia é "o melhor lugar para a dispensação das medicações".

O texto original, que previa farmacêutico virtual disponível para orientar consumidores diante de produtos nas gôndolas, enfrentou resistência de entidades de saúde. O Conselho Nacional de Saúde recomendou a rejeição do modelo por entender que havia risco de que o interesse comercial prevalecesse sobre a saúde da população — uma crítica direta ao potencial de pressões comerciais sobre a dispensação quando a orientação não ocorre em ambiente físico e sob supervisão constante.

Na discussão pública emergem vantagens e desafios que já são explicitados nas propostas e nas reações de órgãos: por um lado, a teleorientação e a presença de tecnologia nas prateleiras poderiam aumentar a conveniência e a capilaridade do atendimento, reduzindo distâncias e tempo para o usuário; por outro, críticos apontam risco de queda na qualidade da orientação farmacêutica e de incentivos comerciais a práticas de venda que não priorizem a segurança do paciente — preocupação levantada expressamente pelo Conselho Nacional de Saúde.

A reformulação do texto busca equilibrar esses polos ao exigir estrutura física e supervisão profissional constante. Ao prever drogarias "como as tradicionais", com ambientes climatizados e farmacêutico responsável, o projeto tenta garantir que medicamentos sujeitos a receita continuem sendo dispensados com as salvaguardas sanitárias previstas na regulamentação vigente da Anvisa.

O choque entre inovação e fiscalização também aparece em outras frentes do setor. O Ministério da Saúde retomou auditorias e mecanismos de controle em programas e redes credenciadas, segundo relatos de gestão do programa Farmácia Popular: houve um processo de descredenciamento de unidades que não renovaram cadastro ou não apresentaram documentação exigida, numa ação justificada pela necessidade de fortalecer controles e combater irregularidades. No caso do Ceará foram citadas 130 drogarias descredenciadas, enquanto, em nível nacional, o número informado foi de 9.180 estabelecimentos descredenciados, ao mesmo tempo em que o governo diz manter milhares de farmácias ativas e ampliando a oferta de insumos e medicamentos gratuitos pelo Programa Farmácia Popular.

Esses exemplos do Ministério da Saúde — incluindo o uso do Diário Oficial e de auditorias presenciais, conforme comunicado do diretor de auditorias Rafael Bruxellas — ilustram um ponto relevante para a implementação de modelos com teleorientação: a tecnologia na dispensação só tende a ser viável do ponto de vista sanitário se houver instrumentos de fiscalização, cadastro e supervisão capazes de garantir que as normas sejam cumpridas na prática.

Há, portanto, duas linhas claras no processo legislativo e regulatório: uma que ressalta o ganho de acesso e a modernização do serviço farmacêutico; e outra que enfatiza a necessidade de preservar a qualidade da orientação profissional e de blindar a dispensação contra incentivos comerciais indevidos. A versão reformulada do projeto tenta responder a essas tensões exigindo estrutura de farmácia completa, clima controlado, áreas exclusivas e farmacêutico responsável — medidas que remetem diretamente aos padrões e exigências da Anvisa e ao papel de supervisão do Ministério da Saúde.

O projeto ainda não foi deliberado no Congresso. Até lá, a discussão sobre como integrar tecnologia, conveniência e segurança sanitária segue aberta, com avaliações divergentes entre setores do varejo, conselhos de saúde e autoridades sanitárias sobre o melhor equilíbrio entre inovação e proteção ao paciente.